Nota

se te vejo atmosférico

ares dessa terra

teu casulo corpóreo

habitado de vácuos

são via lácteas no teu tronco

imensidões resistindo ao caos

dos meus absurdos

a tua retina cinza

só os teus olhos

grudados na tua cara podem ver

o globo terrestre despencar

rumo ao nada

(carregam as minhas estrelas)

tumultuosas luas subterrâneas

nascem de todos os lugares:

já te evito, céu da minha alma!

esse medo do barulho do mundo

sobre tudo o que requer silêncio

me diz o quanto viajo em tuas naves

e receio as gotas da chuva que pingam

no telhado mas não posso ouvi-las

a terra e os teus ares atmosféricos

denunciam estes silêncios afetados.

vago assombrada

desta vida

veloz

e às minhas partes

aconselho, opaca,

o que eu não termino por medo,

por falta.

 

estas ruas que caminho

não são minhas.

são elas que me atravessam

e olham pra trás

estes paralelepípedos

afundados no tempo

um sopro

mas tu não sentes

tu mastiga, mantém

tu luta

contra o futuro

não há

permissões concedidas.

 

 

o percurso é desassombrado 

mas se, acaso, tu vens de surpresa

é um duro exercício mastigar

a beleza 

da tua memória abismal.

sinto a dor das

mandíbulas triturarem o

que nos mata a fome.

 

irremovíveis sonhos

da tua alma

que a minha também

sonha

no cais eu grito aos imigrantes

e respondem sempre:

estes navios

afundaram os teus homens.

(não te lembras?)

 

eu esqueci as almas que

deixei e amei.

 

transito

tateio versos

estes pesadelos ameaçadores

são sempre os mais belos.

amendoim

é um afogamento dentro

do escritório.

terça, 4 da tarde:

esbarram restos e palitos

de madeira submersas

algas marinhas

nos pés,

ardência nos

olhos

resseca epiderme

rachaduras vistas

abismos de carne

poços de sangue

abrem pelo meu corpo

as conchas do leblon

 

 

não mordo

na boca

embaixo da língua:

um amendoim

me afronta.

(prolongo esse dia

afogado meio aos anos

arrastados)

 

dá saliva, sede

escrever um poema

com esse gosto de mar

na boca é afogar-me

na falta resistida.

poema acabado

me obriga, deita-me o corpo fissura(do)

tempo

velha multidão de olhos e peles

uma incisão no tórax, clavícula,

coração

veremos o vento o cisco

detrito pó fino (o cobertor de todas

as coisas do seu quarto)

num plano que o

ar configura dentro dessa

mensagem infectada

 

ele me olha e está feito:

me obriga, deita-me

receio por esse espaço que ele ocupa

no tempo

das coisas que não existem

mais

no auge

imerge entre os detalhes

(os afogamentos se dão

em qualquer espaço)

erupções são emergências

silenciosas despencadas 

eu me enterro e

sempre morro carbonizada

dentro dessa merda

 

 

obrigada eu me deito e atento

reparo bem no que você

não fala

eu sinto as contrações das gavetas

à direita

gritam, berram-me teu caos.

à esquerda, ah poeta, não sinto nada

eu engasgo estes rascunhos

intocáveis

cuspo a sobra do sangue

que mina dos teus versos

inacabados. 

o teclado também sofre

às vezes desequilibrada

melhor sinto 

a inconstância da órbita dentro

da cidade urbana
ventania com areia

bate na cara da gente

quando dobra a esquina.

reluz a realidade num tapa

o que dói por estar

caindo flores no subúrbio.

 

talvez eu abandonasse por aí farpas

estabelecidas

pelo tempo espectro

ausente a tua respiração

na nua nuca.

 

deixo cair pedaços, recortes,

memórias

deixo escorrer o gozo

entre as pernas esferas

imensas  faltas.

alguns silêncios são condutores elétricos

berros dentro do vácuo.

asteróides nascem do meu útero

mas sem tocar a terra, morrem:

eu abortei astros desertos.

 

esses encontros são secretos

luminosidade celeste.

 

escrita em outras partes

eu sangro estrelas

morrendo frente ao espelho

cuspo o choro minando

na minha garganta nicotina.

 

preciso de palavras.

eu quero consoantes de carne

não leia estes mistérios expostos

aqui

não são l e t r a s.

quase sempre deixo

um pranto nos botões do teclado

que eu digito.

eu escrevo prantos.