ouvi os corações acelerados
e a tua voz, baixa, esclareceu:
- existe uma luz nos teus passos,
embora a escuridão caminhe comigo
há muito tempo debaixo de tempestades.


e suando como eu estava
páreo às flores do teu jardim
pensei mais na beleza que te cerca,
dia após dia
nesta rua sem saída em que tu mora
atiro as minhas estrelas mortas
(que brilham impunemente)
ao teu quarto no terceiro andar
simétrico em poeiras antigas
estantes e livros
gavetas velhas
(guardam a minha camisola de seda)
e cadente nos teus braços
agora
revejo teu olhar paradoxo
ao saber
deles tuas imperdoáveis atuações repetidas.


nós somos um poema esquecido
um futuro “talvez no tempo da delicadeza”
onde tu não se recorde mais do contorno
que precisa fazer para formar
uma única letra
nos teus rascunhos inalcançáveis
ao meu lado todas as noites.
e assim te lembres que és um homem
antes de ser poeta.
talvez assim tu sejas a poesia
antes dessa ferida reescrita.

Nota

o fim de tarde hoje foi ensolarado
nem ficou laranja o céu
nem roxo
escureceu tudo assim de uma vez

esses fins sempre habitam algum estranhamento
em nós
sentei na beirada da janela e fiquei
entre os fios que fazem a cidade funcionar
e os telhados de limo e os gatos perdidos
e também entre os pombos que são sempre desprezados.

Nota

recolhe os teus desafetos e te refaça
não em arte
desvia da filosofia, da diferença sobre passados e ventanias
a verdade escarnecida imposta nas entrelinhas
se puderes cata pelo asfalto,
depois da chuva,
a tua carne
e se quiseres junta os teus ossos engessados
e com eles escreve o teu ego sobre as calçadas
e me fere

escuta os poetas e recria avessos
destilados
nestes copos e esquinas
bebe
o teu próprio sangue
mereça a solidão do inverno
e quando fevereiro amanhecer
te cubra de neve

e no deserto dos teus dias
onde tu amas se queimar
sinta de mim, outra vez,
a dor
que a lua (sem saber de nada)
míngua nestes versos
a tua última palavra.

me aceito morrer
não de velas e caixão
mas de tardes negras e mapas
em branco
todos os dias
pela tua delicadeza de canalha
sendo eu o poeta
e tu
este poema

me entranha a eternidade escura e cinza
como teus olhos secos e tua fala tímida.

se formarão para ti a morte e o legado desta literatura
parte
da minha alma e viva a tua poesia