eu reúno uma porção
esfarelada de beijos marinhos
e das águas, dos vinhos
não sei se areia
ou se vidro
eu reúno uma porção
esfarelada de beijos marinhos
e das águas, dos vinhos
não sei se areia
ou se vidro
os meus olhos ardem
como se eu tivesse mergulhado
no mar de olhos
bem abertos
uma taça ao que preenche
para que a falta
se atormente
num brinde de volta as palavras
desertas
a encontrar o silêncio
desperto no que revejo
depois de tanto tempo
te desejo como a selva
deseja a chuva
e te recebo como o mar
recebe o rio
e a maré que inunda e esvazia
a carne e a comida
e te pertenço toda
porque meu olho te segue
pelas travessias fissuradas
que desembarcam num
segundo de mãos
e de línguas
os sinais de saudade
dessa tua doçura feroz
deformam a cidade em diafragmas envelhecidos
porque te percebo
como a fotografia
revelada pelo indício
das aparências que se constroem
junto aos muros, junto aos pórticos, junto a vida
que se cria e
se estanca.
e rastro é ventania azulada
resto de calma
respiro devagar o tempo
que se alarda
nos dias
porque te sinto como
um infinito de faíscas
que inflama a carne e ilumina a vida
eu queria te falar uma coisa, Chico.
a afobação é um sentimento muito cru e no seu entorno há um desesperado sentido sem solidez…
o que há de chocante na respiração sem a fala?
quando eu me afobo, eu vejo o que vaza, o escape do que sua e seca. a linha reta de um horizonte, de umas formigas, sem qualquer pressa, com todas as suas ânsias.
quem não se afoba, não sabe emergir de um rio fundo e pegar o ar, não beija o outro num instante e reconhece a saliva, não vigia as memórias para que não se misturem e nunca saberão os projetos impossíveis de um vida serem lançados numa só noite.
não te sei
como quer o tempo
não finda,
só nasce
o tempo atravessa
e se dobra no vácuo
e mostra um estrela
meia noite no céu
de são paulo
é concreto nos teus olhos
viadutos
folhas nos muros
encaro, eu desaguo
a avenida paulista
que brilha, brilha
as crianças vendendo bala
e o reflexo no escuro
da noite poluída,
expressa saliva
eu mesma pálida,
hipnotizada de afetos, definida
sob o céu é tudo
névoa e poeira
nas janelas
mansidão
é macio de marcas
quando encosta,
recebe
reparte a palavra
e se arde pelo vento e voa devagar
por fora e
por dentro
da alma que fala
tudo pelas esquinas
onde te beijei demorada
calcifiquei no meu corpo
a tua vida
agora -como me descobrira. e isso não era nada.
é como saber o sol numa pressa inconformada
e ver a marca da roupa no fim de um dia, no corpo.
a porta que se fachara havia restituído um olhar suave, atento, uma continuidade existencial perdida
qual se recria em outra porta o inalcançável e exato de todas as outras portas e de todos os outros dias…
o tempo não cresce
sobre mim há passagens avulsas
de divisões permanentes
e de repentes estancados
que molduram as horas
sobre os olhos abertos
no nada das vidas
que vai correndo
e suscita a relativa
do crescimento
do sangue do cabelo da unha
do medo
da chuva do sol da palavra
dos homens
a vida vai
saindo pelos becos
pelo sono pela noite pelo rio
pela mãe pelo filho
pela lágrima
pelo grito
das cigarras
e dizem a idade
do momento de viver
mas pode ferver sempre no mesmo de não ser
não querer
e alternar o subjetivo
do mesmo jeito que se deforma
o tempo todo
de vestígios
vou guardar as palavras
ditas no meio das noites -as promessas-
para me saber partida e pertencida como uma folha seca
de amendoeira que entra
pela janela e fica no chão da sala, entre as cadeiras vazias e o som da tv desesperada
para as lembranças bonitas
se mexerem no meu corpo
enquanto tu estiver tão longe
eu escreverei como tu me ensinou
eu anoitenço e desconstruo
o que era uma chuva de berros e fotos nuas
em qualquer poema sobre saudade
e das palavras que devastaram a ti e a mim de presenças
não sei o que fazer.
eu guardo a distância dos corpos estirada no fio da memória
quando as tuas mãos acendiam os incensos
e tudo isso se revirava em fardo e luz
vou guardar o teu rosto triste, poeta,
tua cara em máscaras
que faz a mulher mudar a fisionomia e ficar louca
como a barata de clarice em G.H
não guardo o que acaba no mistério estremecido
dos amantes amigos
nem o sempre dilatado
nessa janela que traz
só barulho urbano e vento
gelado.
quando a temporada
das permanências me
corre no ventre
como são as gaivotas
dos rios no subúrbio
eu fico toda quieta
suo por dentro
e respiro sem impulso
a inverdade dos acontecimentos
que vão matando
de farsas e de aversões
as estrelas
junto com a fome
dos desejos secretos
e dos sonhos que vão
circulando nos corpos
e grudando nos olhos
as poças do momento